Essa leitura comecei em dezembro, e foi um livro que achei enquanto passeava numa livraria. Sim, eu faço isso ainda hoje. À despeito de não ter gostado da capa, o tema me interessou, até porque essa é uma pergunta que escuto com uma frequência irritante.
A Autora é estadunidense e esta informação é muito
relevante. Ela cria grupos de conversa entre mulheres que não têm filhos, de
variadas idades e regiões daquele país, e organiza os capítulos entre os temas
mais frequentes nos relatos. Intercala os depoimentos com pesquisas, dados e
artigos científicos produzidos nos EUA, sendo um retrato bastante rico. São
duas questões que merecem ser apontadas: o recorte sócio-econômico-racial, uma
vez que boa parte das mulheres ouvidas são brancas, nascidas nos EUA e da
classe média de lá. E o fato de que há muitas questões culturais que não podem
ser usadas como generalizações fora do país em que os relatos aconteceram.
Tendo isto em mente, ao longo da leitura é muito
interessante se reconhecer em vários momentos, como quando a pergunta já
aparece com um julgamento moral, ainda que o interlocutor não saiba (e não se
interesse em saber) se você não tem filhos pelas circunstâncias ou se por uma
escolha volitiva. E também não se reconhecer em muitos dos relatos acerca das
escolhas e circunstâncias que foram determinantes para cada uma das mulheres
que falam sobre isso à autora. Ela aborda de maneira interessante os conflitos e
dificuldades entre mulheres com filhos e sem filhos, em função das expectativas
sociais que são estimuladas entre estes dois grupos, e deixa claro que a
desunião entre mulheres com vidas diferentes só traz mais problemas para elas.
Inclusive, faz uma diferenciação entre os termos utilizados em inglês como
“childfree”, “childless” e “not-mom”, uma vez que eles são estigmatizados e
estigmatizantes, como se todos traduzissem “mulheres que odeiam crianças”,
quando isto está muito distante da realidade. Esta tradução em si já dá uma
ideia de como as sociedades, de um modo geral, enxergam as mulheres sem filhos.
Gostei especialmente dos capítulos dedicados à moradia e ao
legado. No caso da moradia, invejei a situação que ela descreve nos EUA, uma
infinidade de possibilidades de “vilas”, com casas e apartamentos de uso
individual para pessoas sem filhos (e com filhos) morarem, utilizando espaços
coletivos como hortas, piscinas, oficinas de artesanato e de leitura, além de
contar com apoio de saúde e até de creches e escolas comunitárias. A ideia de
que você pode escolher (desde que tenha recursos financeiros, claro) ter uma
vida comunitária sem depender de laços consanguíneos ao envelhecer por demais me agrada. Ela cita inúmeros locais como
este, em diversos Estados e cidades daquele país e eu me vi pensando se temos
alguma iniciativa do tipo no Brasil. Se alguém souber, me avise, eu gostaria de
saber mais. No caso do legado, que é aquilo que você deixa como inspiração após
partir, ela começa falando da importância da organização das suas vontades,
como testamento vital, diretivas quanto ao que deseja como ritual de despedida
e a distribuição dos seus bens (testamento) após sua partida. Inclusive, ela
traz um exemplo que aqui conhecemos como Tomada de Decisão Apoiada, que é
quando nomeamos uma espécie de curador para nos representar em situações que tivermos dificuldade de expressar nossa opinião, seja por um quadro de
demência, ou de restrições físicas. Algo muito interessante, sobretudo, porque
pode ser mais de uma pessoa e que evita todos os dissabores de uma interdição
judicial.
A parte mais agridoce foi o “bingo” das frases que mulheres
sem filhos escutam: infelizmente, eu gabaritei esse bingo. Foi de certo modo
reconfortante saber que não é só comigo, mas bastante sofrido perceber como as
pessoas se sentem à vontade em proferir estas palavras.
Por fim, ela traz um capítulo com sugestões para como responder ou abordar determinados temas e esta é a parte mais fraca do livro, na minha opinião, bastante influenciada por auto-ajuda estadunidense.
No mais, recomendo muito a leitura, tanto para as mulheres sem filhos quanto para as que são mães, para que, quem sabe, ajude a conhecer melhor a realidade de um grupo de mulheres que costuma ser deixado de lado quando se trata de saúde pública e interesses sociais. Pra que o assunto não fique só na bolha de cada uma.