Sobre reler um livro 25 anos depois

Esta semana terminei a releitura de um dos meus livros preferidos: Cem Anos de Solidão, do Gabo (sim, me sinto íntima). E como é bom ler um livro bom, né? Bem escrito, envolvente, interessante e atemporal.

A primeira vez, eu li aos 16 anos, devorando a história e ávida por saber o destino de cada Buendía, terminei tudo em 3 dias, nem dormia direito pra não largar o livro. A segunda vez, foi aos 22 anos, chorei cada morte, sofri com os amores frustrados e fiquei horrorizada com o destino de Amaranta Úrsula. Desta vez, comecei com a escolha da edição comemorativa, com a capa belíssima, e me propus terminar antes de completar os 47 anos. Li devagar, degustando cada palavra, cada frase, conhecendo e reconhecendo cada personagem, me surpreendendo como se fosse a primeira leitura com os acontecimentos que marcam cada Buendía e os demais habitantes de Macondo. Fiquei perplexa porque não me recordava de quase nada! 

Me dei ao desfrute de anotar frases inteiras, de consultar a árvore genealógica que vem nesta edição, de encerrar um capítulo e demorar dias para retomar, para que a leitura assentasse dentro de mim. Fiquei absolutamente encantada por Úrsula, a quem desconfio que Gabo reservou as melhores e mais impactantes frases do livro. Reparei no nome de Santa Sofia de la Piedad, a mais perfeita tradução de cada gesto da personagem em toda a história, e que nunca é abreviado ou encurtado. A obstinação dos homens de nomes repetidos na família e como selam os destinos da cidade, e a nada discreta referência a eventos políticos que poderiam ter se sucedido em qualquer cidade da América Latina, não só nos idos do século passado, mas nos dias atuais. As profecias de Melquíades, cujo primeiro anúncio chocante é de que “a Terra é redonda”, causando espanto e descrença em toda Macondo. A peste da insônia, que mantém toda a cidade acordada por anos, e como consequência, gera o esquecimento. Amaranta, que se dedica a tecer a própria mortalha, solta frases de ironia e lucidez, como “que estranhos são os homens, passam a vida lutando contra os padres e dão livros de orações de presente”. As perseguições e vinganças cegas, de quem ninguém sabe mais a origem, que levam à morte dos 17 Aurelianos marcados com a cruz na testa. E tem ainda a mítica Macondo, uma cidade em que meia dúzia de pessoas sabe ler e escrever, fazendo com que a memória fique apenas na tradição oral, e, com a morte dos mais velhos, a história de tudo se perde e é substituída por decretos de políticos que nunca estiveram ali. Absolutamente tudo neste livro é fantástico, porque poderia ser real.

Tenho a impressão de que me reencontrar com Gabo, os Buendía e Macondo neste ponto da vida foi muito estimulante. Sem a urgência de concluir a leitura, própria da adolescente que fui. Sem o sofrimento dos “amores” frustrados dos 20 e poucos anos. Com a maturidade dos quase 47 e avidez pelos próximos 50 que hão de vir, olhando gentilmente para trás e para frente, e compreendendo que “o tempo não passa, ele dá voltas redondas”. Foi novamente mágico e transformador.